Algumas coisas que sabemos levamos como verdade absoluta. O sol nasce no leste e se põe no oeste. Um corpo em movimento permanecerá em movimento a menos que sofra a ação de uma força externa. E que a melhor maneira de motivar nossos vendedores é oferecendo-lhes comissões.
Mas e se nós estivermos errados, pelo menos sobre esse último? E se o processo de pagar comissões somente seja mais um método enraizado na tradição do que realmente na lógica? É isso que uma porção de empresas já descobriu e tem várias outras descobrindo. Para a surpresa de muitos, essas empresas estão mostrando que as comissões às vezes podem fazer mais mal do que bem — e que se livrar dessa prática está abrindo seu leque para obter melhores resultados.
Embora isso tudo pareça um tanto contra intuitivo, é algo que está sendo comprovado por pesquisas científicas sobre a motivação humana. Nos últimos anos, vários cientistas sociais mundiais estão trabalhando na pesquisa da eficácia deste processo de motivação. Os pioneiros nesse tipo de pesquisa foram os cientistas da Universidade de Rochester (Nova York — EUA), Edward Deci e Richard Ryan e as pesquisas mais atuais foram feitas por Adam Grant, Universidade de Wharton (Filadéfia — EUA) — eles verificaram que existem outras questões mais sutis que motivam as pessoas em uma variedade de ambientes, inclusive no trabalho.
Uma das suas descobertas é que a eficácia dos motivadores tem uma variação de acordo com o tipo de tarefa que está sendo executada, eles descobriram que o sistema de recompensas contingentes — também conhecidas como “Se você fizer isso, então terá isso” — funcione bem com tarefas de rotina, que são chamadas pelo cientistas de “algorítmicas”. Ou seja, girar o mesmo parafuso da mesma linha de montagem o dia todo. A promessa de recompensa, especialmente quando essa é financeiro, excita nossa atenção, e nos concentramos estreitamente em fazer o trabalho.
No entanto, essas mesmas recompensas no estilo “se, então” revelaram-se muito menos eficazes para trabalhos mais complexos, criativos e conceituais — o que os psicólogos chamam de trabalho “heurístico”. Como por exemplo, trabalhar no desenvolvimento de um novo produto ou trabalhar com um cliente para resolver um problema que ninguém tinha enfrentado antes. Para esse tipo de projeto, você precisa de uma perspectiva mais ampla, que, segundo a pesquisa, pode ser inibida por esse sistema de recompensas.
Voltando assim para a área de vendas. Em meados do século passado, a venda era um processo bastante sistemático. Conheça seu produto, abra sua pasta de trabalho com catálogos e refogue as conversas com seu cliente com um manual de perguntas padrões e previsíveis — e faça isso repetidamente, até que as leis médias trabalhem a seu favor.
Atualmente, porém, os aspectos transacionais das vendas estão desaparecendo. Quando as funções de rotina podem ser automatizadas, e quando os clientes e prospects tem tantos ou até mais dados que os próprios vendedores, as habilidades que mais importam para os vendedores são as heurísticas: Ouvir e interpretar informações em vez de meramente dispensá-las. Identificar novos problemas e resolver os encontrados. Vender insights ao invés de simplesmente itens e produtos.
Alguns cases de sucesso podem ser vistos no decorrer dos últimos anos, após o início dos questionamentos sobre o comissionamento para tarefas heurísticas. Vamos falar de alguns:
Mitch Little começou a questionar o processo de comissionamento no final dos anos 90, pouco antes de se tornar vice-presidente de vendas e aplicações mundiais da Microchip Tecnology, uma grande empresa de semicondutores com sede em Phoenix no EUA. Eles supervisionou 400 vendedores cujo plano de compensação era o padrão da indústria — 60% de salário fixo, 40% de comissões.
Com suas análises ele chegou a conclusão que esse tipo de venda não faz sentido pois cada venda é diferenciado, quase não existe mais o porta a porta, o processo automatizado. O processo B2B mudou profundamente nos últimos anos. Sendo assim, ele mudou o processo de remuneração, onde a partir daquele momento os vendedores receberiam 90% de sua remuneração em salário fixo e os outros 10% estavam ligados a medidas corporativas (e não individuais), como crescimento de vendas, lucros e lucro por ação.
E qual foi o resultado? As vendas totais aumentaram. O custo das vendas permaneceu o mesmo. O atrito entre vendedores, clientes e gerencia caiu. A retenção aumentou. E hoje a Microchip, é uma empresa que fatura certa de 6,5 bilhões de dólares anualmente, ainda mantém seu sistema 90/10 livre de comissões- não apenas para sua força de vendas, mas para quase todos os seus setores que não trabalham por hora, incluindo os cargos mais gerenciais e de gestão.
Seu esquema de compensação alternativa é uma das razões pela qual a Microchip tem sido uma das empresas americanas que se encontra numa linha crescente de alto desempenho na indústria de semicondutores, somente 86 trimestres consecutivos de aumento nos lucros.
Outro case de sucesso é o da empresa Red Gate Software, de Cambrigde, Inglaterra. Em 2009, foi abandonado o processo de comissões para sua força de vendas, substituindo-os por melhores salários e um bom pacote de benefícios, e isso antecedeu um upgrade no seu números de vendas. E assim outros cases estão se espalhando e mostrando que o sistema de comissionamento está ultrapassado.
Todas as empresas deveriam pagar comissões de vendas? Não. Mas simplesmente desafiar esse ortodoxo já nos ajuda a reconhecer que vender hoje é um trabalho sofisticado e complexo — e que as pessoas que o fazem exigem, portanto, mais incentivos do que apenas “uma cenoura pendurada”.
Todas as empresas deveriam pagar comissões de vendas? Não. Mas simplesmente desafiar essa ortodoxia nos ajuda a reconhecer que vender hoje é um trabalho sofisticado e complexo — e que as pessoas que o fazem exigem, portanto, incentivos além de uma “cenoura pendurada”.
Artigo publicado originalmente na Harvard Business Review.